sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Marina Silva: onde a farsa perdeu a modéstia

Atendendo aos incontáveis pedidos, lanço aqui a íntegra de meu artigo publicado na sexta edição do fanzine Amarello.


Do ponto de vista moral, não existe ex-petista. Contingências, certamente oportunistas, podem produzir um eventual solista, mas que jamais – jamais, enfatizo – negar-se-á ao coral por ocasião de um concerto decisivo. Portanto, se escreverei sobre Marina Silva, é mister que registre, a título de introdução, meu desprezo pela mentira – assaz influente – segundo a qual esta senhora teria deixado o PT inconformada com a corrupção no governo. Não mesmo! Ela foi ministra do Meio Ambiente desde a posse de Lula, em 2003, permaneceu no cargo até 2008, integrando o esforço [mui pouco republicano, diga-se] pela reeleição, e só se desligou do partido em 2009 – quatro anos após a quadrilha do “mensalão” ter sido denunciada.

(Se devemos, então, qualificar a posição de Marina Silva ante a roubalheira dos companheiros – e a não a ser que haja alguma modalidade de indignação com quatro anos de delay –, terá de ser algo entre a omissão e a solidariedade).

Marina saiu do Partido dos Trabalhadores porque queria – de qualquer jeito – disputar a Presidência da República em 2010, o que lhe seria negado, de maneira limpa [isso, claro, na medida possível ao PT], pelas instâncias partidárias; a rigor, pelas regras e métodos [o tal “centralismo democrático”; risos] que ela, fundadora da sigla, ajudou a estabelecer e dos quais, dona, ainda hoje, da legenda no Acre, sempre se beneficiou. Chego, pois, a um outro ponto relevante – um dos mais importantes deste texto: ou Marina Silva é a salvação da vida pública brasileira e símbolo divinal da redenção política do Brasil, ou muda de partido a cada contrariedade. (Mais: ou ela simboliza o progressismo nesta pátria tão crente, ou professa a fé evangélica e suas restrições neste país tão descolado).

Basta de mistificação.

Espanta-me poderosamente que em Marina Silva se revista de virtude o que nos outros é vício. Pergunto: nesta dança rasteira de cadeiras partidárias, o que a diferenciará, por exemplo, de um Ciro Gomes? A Lei Eleitoral, apesar das propostas de reforma política, ainda permite que esta senhora seja estandarte [avatar!] de si mesma, que troque de legenda sempre que amuada – mas isto não pode blindá-la de receber o tratamento dispensado aos mortais que fazem o mesmo. Ou o que é pernicioso tornar-se-á benfazejo apenas para ela? Ou o que é impostura nos outros se lhe transfigura em exclusiva decência?

(Quando foi, afinal, que a farsa perdeu a modéstia)?

Gilberto Kassab deixa o DEM e é um “fisiologista”, mais um maldito sem-ideologia etc. Ok. Justo. Ela, por sua vez, larga o PV, onde mal ficou dois anos, sai atirando na democracia representativa, e isto entretanto é compreendido e propagandeado – como é fácil ser Marina Silva no Brasil! – como demonstração sublime de “desencanto com o sistema político” e disposição quase beatificada por criar um “movimento suprapartidário que instale a política em novas bases”.

É isso mesmo?

Ah, por favor: vão plantar batatas numa área de preservação ambiental!

Esse papo de suprapartidarismo – esse discurso ONGuista para enganar milionário trouxa e sugar recursos estatais – seria muito bom [e eu o aceitarei como honesto] viesse acompanhado de uma renúncia às ambições político-eleitorais. Que tal, Marina Silva? Ficar, porém, gastando esse mimimi terceiro-setorista, que esculhamba as instituições republicanas [mas que não planta jaqueira sem dinheiro público], ao mesmo tempo em que se vale das fragilidades do sistema político para pular de galho em galho e disputar eleições sucessivas é embuste de resto mui desrespeitoso para com a inteligência alheia. À vera, ressalvado aquele blush de beterraba, o que distingue Marina Silva de Ciro Gomes ou de Gilberto Kassab é tão-somente a festiva [e sintomática] adesão de Caetano Veloso...

(Aliás, uma interrogação oportuna: em que seringal se perderam as relações do marido desta santa com aquela ONG amazônica tantas vezes acusada de contrabando de madeira)?

Tenho asco de políticos cuja principal bandeira consista na desqualificação – na criminalização – da política. Como assim? Marina Silva raptou a ética, a moralidade e os bons princípios assim como se sequestrasse carbono distraída... Ou se está com ela [e, ato contínuo, no reino da glória], ou se estará errado, condenado. Não dá! Esta senhora está aí há pelo menos trinta anos, petista histórica! [as pessoas têm orgulho disso, né?], faz pouco encerrou um mandato [medíocre, se me permitem] de Senadora da República, vem de concorrer à Presidência com votação significativa, e no entanto é capaz de atacar violentamente o Parlamento, que até anteontem integrava, porque este, cumprindo sua missão institucional e em consonância com a Constituição Federal, aprovou, após meses de tramitação, discussão e aperfeiçoamento, um texto de Código Florestal [equilibrado, exemplar, registre-se] que a desagradava, que contrariava seu estilo claudia-ohana de floresta.

Isto tem um nome, senhoras e senhores, a despeito de toda a propaganda de leveza: autoritarismo.

Minha repulsa intelectual por Marina Silva decorre do fato de que se posicione, desde que tomou voz no cenário público brasileiro, como encarnação de um tipo de [vá-lá...] ideologia – por ela nomeada “sonhática” – que se comporta e propaga, charmosamente, como “verdade natural”, absoluta, definitiva, superior, contra a qual, portanto, não cabe contestação.

Marina Silva é – traço fundamental dela – autoritária, intolerante, radical. Trata-se, petista moral que é, de uma política para quem a democracia é extraordinária até o momento em que crie embaraços a seu personalismo, à sua intolerância politicamente correta. Aí o tempo vira e ela, avessa ao debate, ao contraditório, ignorando as leis [que, afinal, são para os humanos], lança-se aos mais bárbaros discursos golpistas – mas tudo sempre com aquela placidez de quem não é deste mundo, de quem veio ungida da selva para nos salvar de nós mesmos, de quem sabe de algo que desconhecemos, de quem vê a luz, de quem está convencida de representar a sabedoria; de ser a sabedoria.

As instituições da República – seus poderes, pesos e contrapesos – existem também [resistem, ao menos por ora...] para equilibrar forças e limitar as ganas de gente iluminada como Lula e Marina Silva. (Uma sociedade que precisa desses profetas, desses mitos, desses seres abnegados e messiânicos é uma sociedade imatura, doente, frágil – gado cego para qualquer tocador aventureiro).

Com o primeiro no poder, sabemos bem como foi. (Ainda pagaremos, talvez já o paguemos – política, institucional e economicamente – pelo lulismo). Mas fico aqui imaginando como seria – pior, inacreditavelmente pior – um Brasil governado por Marina Silva.

Estou entre aqueles [os párias!] que consideram que este país tem reservas ambientais em excesso, bem mais que qualquer outra nação importante do mundo; e estou certo de que, conservado o que ora temos já demarcado, não precisamos sequer de um metro a mais de florestas – isso se quisermos responder às necessidades de nossa gente antes de aos anseios dos micos-leões-dourados.

Sou, com orgulho, pelo pleno desenvolvimento, pelas ousadas obras de infraestrutura, pela multiplicação das hidrelétricas, pela produção de riqueza, pela industrialização, pela geração de empregos formais no campo, pela valorização do agronegócio e das novas fronteiras agrícolas – verde intocável, pra mim, é só o que compõe a bandeira do glorioso Império Serrano –, de modo que, em oposição absoluta e incontornável, considero Marina Silva um completo equívoco, o próprio terceiro-mundismo, a mais perfeita definição do atraso, com o qual, de resto, logo se deparariam – e se frustrariam, assim como se decepcionaram os que esperavam de Lula a expropriação da propriedade privada [hahaha!] – aqueles que lhe projetassem o “desenvolvimento sustentável” como norte econômico.

Em que pese a competente propaganda de um entendimento equilibrado das necessidades do país, nos seis anos em que foi titular do Ministério do Meio Ambiente, esta senhora comportou-se com radicalismo – como entrave, como gesso, como agente do imobilismo; não como defensora dos bagres, mas como cabeça-de-bagre – sempre que confrontada com as premências do crescimento brasileiro, sempre que diante das demandas nacionais por energia e consumo. (Para se ter uma noção de quão errado alguém pode ser, foi no embate com ela que Dilma Rousseff esteve mais próxima de acertar)...

O discurso mais frequente de Marina Silva era – é – aquele que insistia [insiste ainda, com impressionante estupidez] em desqualificar – criminalizar, demonizar mesmo – o produtor rural, assim como se não fosse o agronegócio o maior responsável pela fartura de alimentos, pela comida barata na mesa do povo pobre e também pelos superávits comerciais recordes.

Num eventual e desastroso governo de Marina Silva, tenho dúvidas transamazônicas sobre se os bichinhos e as plantinhas do Brasil seriam de fato bem tratados. Estou certo, porém, de que as pessoas – os humanos! – gastaria mais [gastariam o dinheiro que não têm] para comprar arroz e feijão. Mas isso – claro – deve ser uma etapa libertadora rumo ao magérrimo desenvolvimento transcendental.